domingo, 14 de março de 2021

28

já já é 28...
eu sem adoecer,
pensei que não chegaria
a essa idade sem morrer

muita vida até agora
perguntando o que é viver
a dúvida me revigora
mas me machuca esquecer

parece que esqueço parrudo
o que é certo e errado
28 olhando tudo
tentando escolher um lado

eu rezo de barriga pra cima
que é pro contato ser direto
brigar com deus me desanima
o errado é sempre certo

28 sem ter aprendido
que nada dura o bastante
mas contente em ter tido
uma vida cativante

o reizinho (roteiro para hq)

 o reizinho achava que tudo podia

autoritário, ranzinza, mimado

ah, mas se iludia o reizinho

alimentando sua própria soberba dia após dia

ainda assim, tão pequeno o reizinho

tão pequeno e mandava em tanta gente

gente alta, gente baixa, magra gorda, rica pobre

o reizinho mandava sem distinção

se orgulhava de não ter preconceitos

ah, como se orgulhava

de tudo que fazia se orgulhava

mas a verdade é que não sabia fazer muita coisa o reizinho

não muito mais do que mandar e desmandar

e essa gente toda esperando ele se mandar

coitado do reizinho

jurava que era amado, mas era temido

mesmo sendo tão, mas tão pequeno!

mataram o reizinho

ficou imenso

tão grande, tão grande

que hoje quase ninguém mais se lembra de como era pequeno o reizinho

eu disse quase

terça-feira, 7 de maio de 2019

quando eu quiser eu paro

o gole o galope o trote mais uma vez o cigarro
outras drogas vão escalando meu entendimento do mundo
eu não sabia que tanta gente cheirava cocaína. eu me vi inocente e subi as escadas sem medo, fui subindo.
de joelhos, fui de cócoras e até me arrastei, mas nunca pra pagar uma promessa.
quem sou eu pra fazer promessas? promessa é divagar na vontade, na culpa e no medo.
quantos vícios temos... e o maior deles é fazer promessas.

eu fiquei olhando tanto tempo, foram 10 minutos... Ah! poderia ser uma vida! E eu fiquei só olhando. Que crueldade está em observar, ainda assim tantos só observam, confusos, curiosos ou cheios de rancor.

eu não sabia que tanta gente tava quebrada como eu. não me dói reconhecer nisso um conforto, já tantos defeitos... mais um que mal faz?
só mais um.
esse é o último.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

teu cheiro

o cheiro do cigarro me traiu um dia
duas mãos desproporcionais envenenaram o que eu chamava de pulmão, e eu fico pensando no cheiro do cigarro. na fumaça que arde ao entrar, na sedução que restou dos anos 50 e em tudo que é inflamável.

o cheiro do café me faz sorrir com mais seriedade, com os pés firmes nos chão. sorrir com maturidade e com a certeza de que não se chora mais nos dias de hoje.
eu tinha um filho:
gerado pelo odor e pela fumaça que se desfez tão rápido quanto a primeira história contada, mas essa ecoa até hoje de tantas tantas formas. eu lembro bem do meu filho, e do rosto que eu queria pra ele.

o cheiro do cigarro me atraiu um dia
e eu me traí nesse dia
a vista turva ainda assim era bonita. a mente poluída pelo escapamento do carro ainda assim me cegava com uma certeza reluzente: a de que um cheiro tão forte assim impregna e mata.

por certo eu esqueceria de alimentar o meu filho, marcada de tantas surpresas e tantas novelas desimportantes, ele seria, por fim, mais um fumante.

terça-feira, 15 de maio de 2018

após

o dia tinha passado em branco
a gente esquece do que gosta às vezes e o dia passa em branco
sem tesão e um pouco cinza, um cinza meio branco
o dia tinha um passado, mas poucos se lembravam disso
o dia pensava no futuro, tanto que o dia era sempre dia seguinte
o dia parece presente, mas nem aos poucos desembrulha o pecado sem culpa de ser
segredo de estado
de ter estado vazio
de ter passado em branco
de ter sacado o pranto
arma secreta, é segredo!
pouco livre e muito corpulento.
uma pausa, servindo de alento
nas horas de silêncio nota-se o dia falar
umas vezes é bronca, outras um sabiá
cantando que laboram os dias e as noites
sem parar

tem dia que não sabe lidar e morre
tem dia que assopra baixinho e morre
tem dia que é feliz e também morre

um dia outro dia outro dia mais um dia
após após após após
desenvolve!
ele queria ser após, e essa esquiva de ser durante

segunda-feira, 7 de maio de 2018

o que resta

eu sobrei
com potencial desperdiçado e um corpo meio usado
da cintura pra baixo segue o espasmo
da cintura pra cima tão certa quanto incerta
disserto por dentro palavras não inteiras, os assuntos também todos pela metade
o resto de nada deveria ir ao lixo, tenho total confiança no reaproveitamento, mas um medo tamanho de esquecer os materiais coletados no fundo do armário
eu fui sobrando no fundo do armário
algumas parcelas de propósito, mas quase tudo acidental
ano novo vida nova
eu fui sobrando
o que de mim resta não sei se preservo ou deixo acabar
o que deixei pelo caminho não sei se sou eu ou o resto de mim
eu fui sobrando
em cada calçada, em cada gole, a cada passo e cada sapo e cada leão
sobrei nas conquistas e nos fracassos
sobrou um pouco deles em mim também
sobrou um pouco de você e dos amigos
graças a deus, de alguns nada sobrou
o caso é que eu sobrei indiscutivelmente, quase violentamente
era uma conversa simples e todos estavam lá
conversando sobre coisas simples
mas nitidamente eu sobrei

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Contorcer-se.

para o bem do outro, por amor, por estigma. Sacrificar-se. por tesão, pela sombra de algo que lhe falta e carregar o peso consigo de fazer acontecer, com medo do confronto, do fracasso, de errar em ser mulher.
Contorcer ao outro... à outra, com a mente, com mãos maciças e opacas o corpo de uma mulher sem rosto, o corpo da mulher feia, camarão, em um jogo sujo e desonesto no qual a presa sente-se passível de punição por pensar-se predadora.
Contorcer esse corpo ao ponto de não fazer mais sentido tê-lo junto a si em um momento íntimo de mais perfeita... agonia.
O corpo de mulher está em conflito(s), em desarmonia, soa doce, melódico, mas machuca, é só ruído, faz um barulho surdo por dentro enquanto se agita se contorcendo.

Ainda tenho dúvidas sobre a importância de sentir-se mulher, sigo pregando que não sei o que é. Sentir as coisas é, imagino, mais importante do que sentir-se uma coisa, definida, protegida da subversão e da dúvida.

Amai teu corpo, contorcido, singelo, manso, revolto, ainda que cause confusão tentar entender do que se trata o corpo, ainda que traga dúvidas. Amai a dúvida acima de todas as coisas.

domingo, 17 de setembro de 2017

quando elas já não florem

algo bonito sempre vem com a primavera, e com ele seu fim.

ciclos.
o que tem em mim de tão especial que me faria escapar deles?
a sopa, o anzol..
sentir o ritmo
sentir a liberdade
a liberdade que me faz cárcere por não conhecela
ja sintome cair: sintoma de não ir, ficar parada, inerte, no chão, em desespero... mas livre.

flores mortas, lama...
a menina pedala em círculos na rua sem saída.
sempre para o mesmo lado, em frente a sua casa.
segura.

escapar do ciclo seria se livrar de minha parte menina e ser mulher, agir mulher. ou só ser e agir. não me lembro o conceito de mulher. apenas de ser e agir, mesmo que livre.

seu conceito de liberdade difere do meu, não há problema nisso. conceito de problema. entender que não é um problema talvez seja o conceito real de liberdade.
conceito de conceito.
como é fácil assumir vários pontos de vistas, várias realidades. como isso simplifica as relações e ameniza a culpa.
como é difícil assumir vários pontos de vistas, várias realidades. como isso complica as relações e aumenta a culpa.

como a primavera é bonita antes de terminar. antes de não ser.
quem me trará flores quando elas já não forem?

sábado, 2 de setembro de 2017

agora um poema

não me deram bolsa-saudade
disseram que era vaidade

que alguém precisava mais
e pleiteou antes de mim
usei de argumento
que me tomava tempo
te amar tanto assim

negaram minha verba
e me pouparam de discurso
mesmo assim quis descobrir
quem roubara meu recurso

o burocrata descortês
respondeu em caixa alta
que o bolsista era alguém
que sentia a minha falta

domingo, 20 de abril de 2014

poliglota

cada membro meu se põe a refletir sobre seu espaço

meu corpo é feito de carne, de alma e de corpus,
mas ocupa minha mente, minha boca e minha fala
e em cada língua que falo me vejo em um novo corpo.
com uma nova alma
que cabe tanto amor quanto cabe sofrimento.
a cada corpo que mudo, uma fala se emudece.